Sai Costa e Silva, entra João Goulart.
Muda o nome, mas não impacto urbanístico do Minhocão
Publicado em 05/08/16
por Raquel Rolnik
Raquel Rolnik é urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo.
Nesta semana, minha coluna na Rádio USP foi sobre a mudança do nome oficial do Minhocão, um elevado que rasgou e destruiu bairros e degradou avenidas importantes da cidade de São Paulo.
Batizado na sua inauguração, em 1971, como Costa e Silva, um dos presidentes da ditadura, o Minhocão foi renomeado agora de João Goulart, deposto antes do golpe militar, em 1964.
A mudança é uma iniciativa da Câmara, mas está em sintonia com as ações do programa Ruas de Memória, uma importante iniciativa da prefeitura da cidade que pretende mudar o nome de 400 logradouros que homenageiam agentes da ditadura civil-militar. Pobre ex-presidente Goulart, que agora dá nome a uma monstruosidade urbanística.
Ouça a íntegra da entrevista no site da Rádio USP.
(…) “Sob muitos aspectos, botar abaixo o Minhocão é muito importante para a cidade. Do ponto de vista urbanístico, por mais que sejam feitas melhorias e que seus impactos sejam minimizados com a transformação em parque, aquela estrutura não deixa de ser um mastodonte que degrada o entorno e arrebenta bairros. E baixos de viaduto, por mais ocupados e “customizados” que sejam, serão sempre baixos de viadutos.
Do ponto de vista político e cultural, fico hoje com a posição defendida pelo psicanalista e professor Tales Ab’Saber, para quem o Minhocão é ainda um dos maiores símbolos da ditadura militar na cidade, a começar por seu nome oficial, Elevado Presidente Costa e Silva. Para além de representar a hegemonia do automóvel no urbanismo paulistano, Tales considera que sua implementação em 1970 destroçou o que era o território cultural e intelectual mais importante da cidade naquela época.
Em um mapeamento deste território, ele demonstra que naquela região não apenas moravam muitos professores, artistas e intelectuais, como também estavam instalados os principais teatros, casas de espetáculos musicais e centros culturais da cidade.
O Minhocão atravessa, corta e degrada tudo isso… em perfeita sintonia com um momento político de restrição da liberdade de criação e expressão.
A construção do Elevado Costa e Silva, portanto, não levou à destruição um tecido urbano qualquer, o que já justificaria sua demolição por razões urbanísticas, mas um território da maior importância cultural, social e política.
Assim, o Minhocão é mais que um símbolo da hegemonia do automóvel e do modelo rodoviarista de construção das nossas cidades.
Demolir essa estrutura, portanto, é não apenas pensar outra lógica de cidade, mas também rejeitar e enterrar definitivamente os símbolos de um passado autoritário que ainda ronda nossas vidas.
Mas, claro, não basta demolir. É necessário reurbanizar as avenidas e vias, investindo em calçadas largas e arborizadas, que sejam espaço não apenas de passagem, mas também de convivência.
É preciso também pensar em alternativas de transporte público coletivo que possam aumentar a capacidade de deslocamento leste-oeste, substituindo a via elevada.
E, ainda, um processo de planejamento dessa reurbanização que leve em consideração, dialogue e seja feito em conjunto com os novos/velhos atores presentes nesses locais.
Não é nada difícil fazer isso, nem é necessário que tudo seja feito de uma vez… essa intervenção pode ser realizada por trechos, e ser implementada aos poucos.
Para a cidade de São Paulo, essa demolição/reconstrução, se conduzida de forma compartilhada com quem vive/usa esses locais, pode significar um dos maiores símbolos de uma nova forma de fazer cidade”.
*Texto originalmente publicado no Blog Habitat, do Portal Yahoo!.
https://raquelrolnik.wordpress.com/2015/07/16/precisamos-mesmo-do-minhocao/