061.02 São Paulo SP Brasilano 06, ago. 05
Atualizado em 04/17
Abaixo o elevado.
O desmonte do Elevado João Goulart
e o efeito catalisador
para a revitalização do Centro
Michel Gorski
Arquiteto, titular da Barbieri & Gorski Arquitetos Associados, São Paulo.
[Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI 2000) da PUC-Campinas]
Importantes cidades no mundo, como Toronto, no Canadá, e Boston, nos Estados Unidos, estudam a retirada de vias elevadas como parte da renovação urbana.
São Paulo deve seguir o exemplo e pôr abaixo o Minhocão, inaugurado em 1971. A intervenção do governo municipal com obras e serviços num bairro é chamada de benfeitoria ou melhoramento. O que o Minhocão trouxe de melhor para São Paulo? Nada. É a essência do “pioramento” urbano, pago pelos munícipes, com um incalculável prejuízo para toda a cidade.
O urbanista Jaime Lerner, por várias vezes prefeito de Curitiba e atual governador do Paraná, declarou certa vez que uma via elevada é um objeto que liga um congestionamento a outro. Para os empreendedores urbanos, o anel que circunda o centro é um grande vazio no mapa da cidade, não uma área de negócios. Por que Higienópolis, um bairro tão valorizado, não passa da alameda Barros? Por que não se constroem mais edifícios residenciais na Barra Funda e nos Campos Elísios? Por que em Santa Cecília e na Vila Buarque não se desenvolve mais o propalado uso misto?
Nem metrô ajuda
Barreira “invisível” ao nível do chão, o Minhocão deixa uma sombra de enorme extensão, uma manta lúgubre que impede até uma das mais tradicionais formas de especulação imobiliária, a associação de novos lançamentos à presença do metrô. O que acontece em qualquer região da cidade quando se anuncia uma extensão do metrô? Há uma revolução localizada: investidores em polvorosa começam a vasculhar o entorno do local anunciado para viabilizar novos lançamentos imobiliários.
O valor dos terrenos sobe vertiginosamente. Pois bem, o que ocorreu nas quadras contíguas ao Minhocão quando surgiu o metrô? Nada de positivo se acrescentou à paisagem de suas imediações. Ao contrário de outras grandes obras viárias, que depois de concluídas geram novas atividades, sob a ampla projeção do Elevado nada resiste, nada se desenvolve, tudo estagna, regride e apodrece. O simples anúncio da desativação do Minhocão talvez tivesse agora um impacto semelhante ao da construção do metrô.
Nessa extensa região de insegurança, onde ao anoitecer predomina o clima de pânico, existem algumas ilhas de resistência com atividades significativas, normalmente diurnas. Destacam-se o comércio da rua Santa Ifigênia, o conjunto residencial da alameda Barão de Limeira, a recuperação de casarões nos Campos Elísios pela empresa Porto Seguro e o Bar Léo. No entanto, muitas pessoas deixam de ir à maravilhosa Sala São Paulo, na estação Júlio Prestes, por se sentirem inseguras no trajeto.
Vivemos hoje um saudável processo de discussão e reavaliação do planejamento da cidade de São Paulo. Um novo Plano Diretor está sendo elaborado, programas de recuperação das áreas centrais estão tomando corpo, secretarias estaduais e municipais estão se deslocando para o centro e até os gabinetes do governador e da prefeita ameaçam seguir a onda. Ao mesmo tempo haverá a incorporação do Rodoanel, as ampliações das vias paralelas às marginais e o desenvolvimento de centros de bairros.
E o Minhocão? O que fazer com ele e qual sua efetiva validade como solução viária? É um momento oportuno para incluir na pauta o seu desmonte.
Esvaziamento e degradação
A construção da via elevada contribuiu significativamente para acentuar o processo de deterioração do centro expandido, tratado com menosprezo pelos órgãos governamentais. O marco inicial desse processo foi talvez o deslocamento da sede do governo estadual do Palácio dos Campos Elísios para o Morumbi. O abandono gradual das estações e do transporte ferroviário, a era dos calçadões no centro e o domínio do automóvel particular em seu entorno reforçaram o processo de degradação.
O Centro de São Paulo ficou isolado: muitas atividades econômicas foram se deslocando ou se expandindo, primeiro para a avenida Paulista, depois para as avenidas Faria Lima e Berrini, marginal do rio Pinheiros e assim por diante. Finalmente caiu a ficha. Pressionados por organizações sérias, como a Associação Viva o Centro, os órgãos públicos envolvidos começaram a se movimentar nos últimos anos. É nesse contexto que surge a tese de desativar o Minhocão e devolver à cidade um pedaço de si mesma.
Moderno a seu tempo, o Minhocão é fruto da febre mundial dos anos 60 e 70 de construir vias elevadas exclusivas para automóveis. Foi sempre contestado pela população atingida por sua múltipla poluição: sonora, ambiental e visual. O Elevado serve apenas aos automóveis particulares nos horários comerciais, para abrigar pessoas que ficam sob viadutos e para um esdrúxulo uso de lazer nos fins de semana. Ironicamente, os que sentem os carros passar praticamente dentro de seus apartamentos estão privados do uso da via, pois são poucos os pontos de acesso a ela.
Há um consenso hoje de que o transporte coletivo é um elemento gerador de qualidade de vida nas grandes cidades. O batido discurso da impossibilidade de remover o Minhocão porque ele asseguraria um fluxo eficiente de automóveis é um argumento frágil. A circulação no Elevado é apenas de passagem, limitada a veículos particulares, e será acomodada de maneira mais adequada (os caminhões irão das marginais para o Rodoanel, e o trânsito que cruza o Centro, para as marginais). A boa notícia é que o transporte coletivo já passa por baixo do Minhocão, à espera de que seu uso seja potencializado.
Quem sabe a modernidade e a rapidez com que o Minhocão foi erguido, com vigas pré-moldadas, representem agora uma facilidade para a sua desmontagem, também de um modo racional e que possibilite a reutilização de suas vigas em construções como passarelas de pedestres e pontes sobre córregos. Cabe à prefeitura estudar a criação de mecanismos de incentivos, parcerias e operações urbanas que permitam realizar essa desmontagem até mesmo sem necessidade de desembolsos financeiros. Isso, sim, seria um atestado de contemporaneidade.
Há o temor, em parte justificável, de destruir uma obra pública, seja qual for. Entretanto, é preciso analisar cada caso levando em conta o momento histórico e seus benefícios socioambientais. A atual ociosidade e a possibilidade de adensamento e expansão do uso da infra-estrutura instalada e dos equipamentos públicos existentes na área de abrangência do Minhocão justificam uma atenção especial para a questão. Numa cidade carente de praças como São Paulo, assistimos à deterioração de várias delas, desde o largo Padre Péricles até a rua da Consolação, passando pelo largo Santa Cecília, pela praça Marechal Deodoro e pelo largo do Arouche. Há muito espaço com qualidade a ser recuperado e revitalizado sem necessidade de desapropriações.
As edificações mais baixas e as do comércio de rua estão entre as mais prejudicadas e descaracterizadas na região. Os inúmeros edifícios de valor histórico e arquitetônico nas adjacências do Minhocão representam um acervo imobiliário latente à espera de uma atitude redentora que desperte essa região que é uma “bela adormecida” de São Paulo. A cidade é um organismo dinâmico e tudo pode ser reparado. É preciso almejar o melhor, e hoje não faltam mecanismos. Só ousadia.
Artigo publicado originalmente na revista Exame,
Edição 759, suplemento Exame SP, fev./02
Atualizado em 04/17
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P.S. O Projeto do Desmonte do Minhocão encontra-se à disposição dos interessados.
O Desmonte do Minhocão é obra rápida, limpa e sustentável, com duração de apenas 6 meses,
está orçado em 28 milhões, sendo que a venda de suas 900 vigas (80 mil cada),
pagaria a obra e ainda sobraria dinheiro
para o caixa da municipalidade, que poderia investir em belo, moderno e turístico Boulevard,
a exemplo do Rio de Janeiro
que eliminou o Minhocão local (Perimetral) e fêz o Boulevard Olímpico
ou como em Seul, na Coréia do Sul.
Ou seja, o Desmonte do Minhocão resolve o grave problema deste apagão urbanístico
que já dura 46 anos
e é uma obra que dá lucro para a Prefeitura.
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