O “Minhocão já poderia ter sido demolido”, afirma especialista em mobilidade urbana

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Metropolização em Debate

Questionando nossas cidades e discutindo abordagens para melhorar a qualidade de vida e a mobilidade urbana

           Expert escreve artigo no qual afirma que o

Minhocão já poderia ter sido demolido,

mas seguimos insistindo

em premissas duvidosas

Metropolização em Debate

          São Paulo tem dificuldade de reverter erros do passado porque não enfrenta os privilégios que envolvem o transporte individual motorizado; o Minhocão segue sendo um caso emblemático.

Contextualização

          A ideia de que a demolição do Minhocão (oficialmente Elevado Presidente João Goulart) provocará uma hecatombe em São Paulo é repetida por algumas pessoas sempre temas envolvendo o patético elevado ressurgem. A justificativa geralmente gira em torno das seguintes premissas duvidosas:

          (1) é preciso investir no transporte público primeiro e;

          (2) é preciso investir no transporte individual primeiro, fornecendo pelo menos uma nova alternativa viária.

          Nada mais equivocado, como veremos neste artigo.

          Antes de começarmos, porém, pode ser interessante ter em mente que o Elevado incomoda a população e a cidade de São Paulo há décadas.

          De acordo com Luna Magalhães no livro Caminhos do Elevado: Memória e Projetos, após apenas cinco anos passados da inauguração, em 1971, a via já precisava ser fechada durante a noite em razão do barulho e dos constantes acidentes.

                NR: o autor enumera uma série de premissas falsas a respeito do desmonte do Minhocão como por exemplo

           Premissa duvidosa: “tudo bem demolir o Minhocão, desde que exista uma alternativa viária”: Alternativa viária? O sistema viário existente é um verdadeiro luxo em comparação com a infraestrutura de transporte público, pois já fornece alternativas diversas, em vias dos mais diversos tipos.

          Não faz sentido construir mais vias para carros numa cidade que já deixou claro que a receita não funciona. É preciso ter coragem ao tratar do sistema viário, considerando soluções que girem em torno de três palavras mágicas: desmonte, conversão desestímulo

          Desmonte de estruturas de utilidade duvidosa, conversão do espaço liberado em prol de estruturas de utilidade comprovada e desestímulo ao uso do automóvel.

          Premissa duvidosa III: “preciso do automóvel, pois o transporte público é muito ruim” e/ou ainda “primeiro melhorem o transporte público, depois falem na demolição do Minhocão”:

          (…) Precisamos ser francos:  comprar automóvel e construir minhocões e marginais tietê jamais melhorou as condições do transporte público, pelo contrário, o rodoviarismo contribuiu para desmontar sistemas de bondes; trapacear usando sistemas de trólebus (a maioria deles já extintos, pois serviram apenas para regredirmos de bondes elétricos para ônibus a diesel) 

          E depende mesmo, porque depois da construção do Minhocão uma série de melhorias foram feitas no transporte público da metrópole (…)

          Quando alguém diz que é preciso melhorar o transporte público de forma vazia, simplesmente para tentar inviabilizar a discussão e proteger um elevado decrépito, uma série de coisas estão sendo negadas:

  • Modernização do Terminal Parque Dom Pedro (anos 1990);
  • Construção da Linha 3-Vermelha (Palmeiras·Barra Funda-Corinthians·Itaquera) completa (final dos anos 1980, por meio da Companhia do Metropolitano de São Paulo);
  • Recapacitação progressiva das ferrovias de propósito geral e dos serviços suburbanos, convertendo-os para metrô (dos anos 1960 até os dias atuais, por meio da CPTM);
  • Implantação do Corredor Inteligente Pirituba-Lapa-Centro (primeira década de 2000, incluindo terminais associados;
  • Implantação do Corredor Inajar de Souza (anos 1990, sendo a pavimentação melhorada na gestão de Fernando Haddad);
  • Melhorias consideráveis no padrão da frota de ônibus (sobretudo a partir dos anos 2000).

          Considerando o corredor e a Linha 3-Vermelha, que são os maiores articuladores de mobilidade no eixo do Elevado, além da infraestrutura para modos ativos (caminhada e pedalada), ao longo de tantos anos, quem dirige e insiste que o Minhocão é essencial não conseguiu pensar em algo mais digno?

          Como veremos a seguir, a fluxo de automóveis está atrelado a uma demanda irrisória, facilmente absorvível, de maneira que um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, também chamados de bondes modernos) somado a alguns ajustes na urbanização, envidando elevação da qualidade urbanística, não fossem capazes de superar e muito a demanda necessária para atender quem dirige.

          A sociedade paulistana tem patinado nas discussões envolvendo o Minhocão. A questão do Centro precisa ser rediscutida em sua totalidade, ou seja, rediscutida considerando parque imobiliário, sistemas de calçadas e calçadões, terminais, enfim, toda a infraestrutura urbana. (…)

          Infelizmente, são vários os sistemas viários do tipo “arrasa-quarteirão” que foram implantados no Centro de São Paulo, incluindo avenidas horríveis como a dos Estados e a Prestes Maia, justamente por isso, precisamos nos perguntar até quando acharemos que é normal tamanha insistência nos erros do passado, preservando por décadas aberrações rodoviaristas que transportam poucas pessoas. 

          É oportuno salientar ainda que, o mesmo diagnóstico apontou que a área de influência do elevado vai perder menos de 2 km/h de velocidade média, caso este deixe de permitir integralmente o fluxo de veículos, ou seja, o impacto é baixo (de fato, o diagnóstico utiliza baixo e muito baixo para tratar dos impactos em diferentes áreas de influência, como pode ser conferido na página 75).

          Trata-se de um diagnóstico que aparentemente colide frontalmente com as palavras do vereador Caio Miranda Carneiro (PSB), o qual publicou no Justificando em abril de 2019, alegando que não haveria possibilidade de comportar o tráfego, pois os congestionamentos aumentariam:

          Estudos técnicos feitos pela própria Companhia de Engenharia de Tráfego (CET)entidade que controla o trânsito na cidade de São Paulo e que está subordinada ao poder público municipalsobre o impacto da desativação total do Minhocão relatam que haverá um aumento da relação volume/capacidade no viário do entorno, ou seja, uma piora nos congestionamentos locais.

          Os volumes veiculares das vias serão aumentados em 5,4% a 169%. A conclusão dos especialistas mostra que se todo o volume da parte superior do elevado se transferisse para a parte inferior, somado ao volume existente no local ela não suportaria o carregamento restante.

          É irreal pensar numa São Paulo que não congestiona ou que vai conseguir racionalizar o viário sem elevar congestionamentos. Não deveríamos nos preocupar com aumento dos congestionamentos simplisticamente, deveríamos, pelo contrário, procurar migrar mais pessoas para meios mais eficientes de transporte em conjunto com um bom plano de logística de cargas.

          Não podemos nos esquecer que Londres tem uma malha de metrô mundialmente famosa, extensa e continua enfrentando congestionamentos, tanto que passou a cobrar por isso muito mais do que a fornecer novas alternativas “a toque de caixa” (sejam elas viárias, sejam elas de transporte público).

Conclusão

          Muitas vezes são travadas discussões em nossa página do Facebook sobre o polêmico Minhocão, mas nem sempre conseguimos produzir um material de maior qualidade a tempo.

          Este artigo visa facilitar um pouco futuras discussões sobre o Elevado Presidente João Goulart e o Centro de São Paulo, pois como foi apontado, as atuais barreiras que são colocadas para sua demolição são bastante frágeis, uma vez que a capacidade do viário é baixa e ele demonstra ter espaço para degradação pouco ou nada perceptível do nível de serviço.

          O mesmo tipo de argumento falacioso ressurge em relação a uma série de outras avenidas e vias de trânsito rápido, dentro e fora da zona central da capital paulista. Precisamos colocar um ponto final em discussões improdutivas, que começam de maneira errada e terminam sem nenhuma perspectiva de construção de um futuro melhor para São Paulo.

por Caio César

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